O que não se vê: impactos indiretos do setor energético para a qualidade de vida no Brasil

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Energia é chave para os temas mais diversos como economia, meio ambiente e saúde pública, escreve Erick Del Bianco Pelegia

A questão energética no Brasil e no mundo é um tema multifacetado. Energia é o insumo fundamental de todo e qualquer processo produtivo, traz conforto à vida ao substituir esforço humano pelo trabalho realizado por máquinas, aumenta a produtividade de tarefas e libera tempo útil para outras atividades.

Porém, o setor energético requer altos investimentos, grandes infraestruturas, pode ser capturado por interesses privados em detrimento do público e causa impactos sociais e ambientais. São estas as múltiplas facetas que devemos examinar.

Há, por exemplo, impactos diretos mapeados como a poluição do ar pela queima de combustíveis, a mudança de paisagens em decorrência de empreendimentos (campos eólicos, linhas de transmissão etc.), o deslocamento de populações por grandes obras. Estes impactos têm suas expressões na saúde pública.

A poluição do ar fala por si só, porém outras fontes como as hidroelétricas têm efeitos negativos como a mudança de dinâmicas alimentares de povos originários e ribeirinhos, transmissão de doenças infectocontagiosas antes pouco incidentes nas localidades impactadas pelas obras e outros.

Porém, além dos impactos diretos, há que se explorar os indiretos. Estes por vezes escapam à percepção da opinião pública.

O setor energético é um setor econômico particular, pois seu produto é utilizado, sem exceções, em todos os setores de atividade econômica. Alterações de oferta, preços, qualidade têm implicações abrangentes na vida social.

Em 2021, vivemos o momento agudo de uma crise que se arrasta pelas últimas três décadas no Brasil. Este foi caracterizado por uma crise hídrica que culminou na necessidade de um alto acionamento de usinas térmicas.

Como agravante, houve uma recuperação dos preços do petróleo em 2021, que gerou altos custos de combustíveis para a geração termoelétrica a serem pagos pelo consumidor brasileiro. Ainda, esta recuperação elevou os preços de combustíveis e do gás de cozinha.

Impacto no padrão de vida

A elevação dos preços de eletricidade e combustíveis contribuiu para a pressão inflacionária em 2021.

Um aumento de preços em produtos essenciais contribui para a piora no padrão de vida das populações e na garantia de direitos humanos fundamentais, como a saúde e alimentação.

Em 2021, uma pesquisa do IPEC encomendada pelo Instituto Clima e Sociedade constatou que frente ao aumento das contas de energia, 22% dos entrevistados estavam diminuindo ou deixando de comprar alimentos básicos como arroz, feijão e açúcar.

Em período de pandemia, 16% diminuíram ou deixaram de comprar produtos de limpeza e 14% diminuíram ou deixaram de comprar produtos de higiene e beleza.

Ainda, 46% dos entrevistados comprometeram mais da metade da renda familiar com energia elétrica e gás.

Esses dados são coerentes com um levantamento feito pela Fiocruz onde se atestou que no mesmo ano houve o recorde de internação de bebês por desnutrição no SUS dos últimos 13 anos.

Em relação a este dado, não se quer dar aqui uma abordagem reducionista a um fenômeno complexo, porém são elementos que fornecem indícios da relação entre as condições de vida e o setor energético.

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Papel da política energética

O Brasil vem diminuindo a participação de instrumentos no âmbito da política energética que poderiam ter cumprido um papel importante neste momento de fragilidade do setor.

Invariavelmente os governos de plantão colocam a culpa das insuficiências observadas em elementos conjunturais (guerras, falta de chuvas, variação internacional de preços etc.), porém pouco se discute como deveríamos nos planejar para neutralizar ou amenizar estes eventos incontroláveis.

Um destes instrumentos são as políticas de conservação de energia. Como já tratado no documento A hora e a vez da eficiência energética, publicado em 2021 por um conjunto de organizações da sociedade civil que se ocupam do tema, há um caminho alternativo ao atual que não nega os avanços já obtidos, mas eleva a eficiência ao nível de importância estratégica que ela deve ter dentro do setor energético.

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A grande questão é que soluções como esta não saem do papel em semanas ou meses. Elas precisam ser planejadas.

Conseguir efetivar com maior qualidade o potencial que a conservação de energia tem no Brasil é algo com alto benefício econômico, social e ambiental.

O econômico se dá na medida em que a redução da demanda pode gerar um estímulo para uma redução de tarifas, com ganhos para o orçamento familiar e para os setores produtivos.

O benefício social é decorrente do anterior, já que a diminuição do custo da energia como insumo é uma arma contra a pressão inflacionária, algo ainda mais relevante em contextos de alta desigualdade social.

Por fim, na questão ambiental, a diminuição da demanda por energia diminui a pressão pela expansão do sistema. Estando a infraestrutura física relacionada aos impactos diretos, quanto menos ela for necessária menor serão os seus impactos diretos associados.

Por tudo que foi exposto, percebe-se que o setor energético é chave para os temas mais diversos como economia, meio ambiente e saúde pública.

É preciso pensá-lo sempre nas suas múltiplas facetas e implicações para que possamos criar uma trajetória na qual o planejamento setorial adeque, de forma equilibrada, objetivos socialmente desejados e que forneça soluções para os problemas hoje colocados e não os retroalimente.

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É necessário um setor energético que melhore a qualidade de vida das pessoas, contribua para a saúde pública, não drene recursos do orçamento das famílias, equacione adequadamente seus impactos ambientais e contribua para o desenvolvimento nacional.

A elevação do status das políticas de conservação de energia é uma das ferramentas que podem colocar o setor de volta na direção do interesse público. Faremos esse debate no próximo período e convidamos toda a sociedade a estar conosco.


Erick Del Bianco Pelegia é especialista em Energia do Projeto Hospitais Saudáveis, membro da Rede Kigali e doutorando em Energia pelo Centro de Análise, Planejamento e Desenvolvimento de Recursos Energéticos do IEE-USP.

Este artigo expressa exclusivamente a posição do autor e não necessariamente da instituição para a qual trabalha ou está vinculado.